sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

,finjo-me como um louco




,e como me entedia o dia, que
a noite anuncia.

(I)
,revela-me a face carregada,
como o corpo que carrego, arrasto,

de paixão escondida, perdida em paixões esquecidas,
bocejos cruzados por entre seres esconsos, amorfos,
que correm, que se refugiam da chuva oblíqua
que não me fere,

,finjo-me como um louco, de olhos fechados.

(II)

,fujo dos silêncios em gritos estridentes,
e quando levanto os braços, sem suplicar,

abraço o universo numa casca de noz.

,o que não vejo, esvazio,
despejo a bombordo, longe do que não faz sentido,

, e a razão tolhe-me a surpresa,
afasta-me da compreensão do infinito,

do finito que seja.

(III)

,morrem-me assim os dias, as claridades,
revivo-me pelas noites, que os dias anunciam


denunciando as cinzas que restaram.



Textos de Francisco Duarte por Ricardo Pocinho

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

,escuto-me


(I)

quero saber-me assim quieto, em sossego,
neste meu inóspito e distante desaconchego,
seja da canção cendrada,
seja-me da noite iluminada,
que seja deste meu sonho em desassossego.

(II)

da saudade.

surdo, mudo, e nada muda,
nem o desassossego,
nem os passos tidos por perdidos,
distâncias.


,escuto-me.

,morrem-me as saudades de tão gastas,
de tão repetidas,

esfarelam-se,
e quando regressam impiedosas,
agito-me, revolto-me, rendo-me,
,como se a lua só tivesse uma face,
,como se a lua só tivesse uma fase,
e só escuridão pernoitasse no meio.

(III)

,o meu mar jamais será umbroso,
reflete o azul do céu,

reflete-me,

e repito-me no desassossego que quero em sossegos,

- deixa-me vogar pelas vontades das ventanias”.

[, o sal seca-me, engelha-me, arrasta-me].




Textos de Francisco Duarte


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

,guarda o que a minha vista já não alcança



(I)

,do deserto [… que seja do deserto]

são construidas colmeias em árvores desnudadas,
abandonadas,

enunciam-se alguns gritos solitários,
por momentos nefastos carregados de tédio,

e revivem as dunas em areais distantes,
invadidas pelo mar,
como o tafetá cobre o corpo da bailarina, o ventre.

(II)

,revivo-me a cada rota desconhecida,

construo nuvens sós, breves,
pelas clareiras do ceu,
no peito murmurios, no peito miçangas de flores

um dia colhidas, um dia arrancadas pela raiz.

,um dia ermos distantes, desabitados,
que penetram sem perdões por este mar revolto.

,e vejo aléns,
,e vejo redemoinhos estranhos,

,e vejo esconderijos descobertos.

(III)

,vejo-te.

,ruirá o inverno que se aproxima
ao pavor dos ventos, ao pavor dos aluviões,

guarda-me o mel,
,guarda o que a minha vista já não alcança.





Textos de Francisco Duarte

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

,além



,liberta-me

(I)
destas asas que me atrapalham,
que nunca aprenderam a voar mais além,

nem refúgio, nem descoberta.

,deixa-me sossegar

(II)
por este mar aquém de mim

que me desnovela, reduz a nada.

,do tudo

(III)
,sem começo, para quê[?]

estas visões inacabadas da aurora boreal,
reflexas, algumas singradas sem sentir,
inconscientes, efémeras,

inóspita esta terra que não me habita,
onde não me habito, habituo,

,e,

enquanto procuro palavras para descrevê-la,
renova-se o cheiro das alfazemas,
brotam flores da amendoeira adormecida.

,refugio-me

(IIII)
pelos cantos do mar como um náfego,

a loucura seja-me presente,
jamais fuga, ou vida.

sim, revi a rota mais outra vez.

(IIIII)
,além, mais além neste aquém de mim que ainda me resiste,
e que se repete, repete-se moribundo.




Textos de Francisco Duarte

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

,desenha-me um som



, o que veio antes!

(I)

,desenha-me um som, um só som,
como o das conchas marinhas que tritão transportava,

que se repita estático, constante, em rugido, em grito, em canto,

,desenha-o sem eco,

que fique tatuado no meu braço, nas minhas entranhas,
para sempre.

,o que vem depois!

(II)

,nascem maresias como rosas bravas, indomáveis
pelos caminhos de pó, pelas rotas sem bússolas,

acolhe-me em teu peito de mar, um dia agitado,

máscaras um dia esquecidas, apenas por um dia.

,desenha-me esse som, apenas esse e não outro,


(III)

o ocaso?

,ruirá, sim, cairá lá adiante,

como o sol quando se põe.
[literalmente],



[,desenha-me um som, um só som,
como o das conchas marinhas que tritão transportava,], repito-me, sim, seja-me a emoção

apenas libertada,

vai, deixa que me vogue assim.

(IIII)

um dia.






Textos de Francisco Duarte (ao meu irmão que está mais velho que eu....)




segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

,as orquídeas renasceram em flor



,décima hora

(I)

,da terra em pó , calcada,
profetas anunciam cataclismos, surdos,
repetitivos, cansam-me,
e tudo em redor ensurdece, ensurdece-me,

esvazia-se a ubiquidade,
ficam ecos suspensos sem norte pelo mar que reaparece das névoas,

encabrestam-se as ondulações,
tapando o areal, tapando as marcas,

descreve-me o sul, alivia-me do outono despetalado, iníquo.


,foge Latona

(II)

[… pariste na ilha de Delos fugindo da Píton],

foge da ira,
como o anoitecer em claridade foge do fugitivo dia de mim.


,das matinas

(III)

,regresso-me ao mar envolto por procelas,
náfegos, mitos,

olvido-me das horas, nesta indesmedida saudade
que me é longínqua de tão perto,

descreve-me a vida, alivia-me o cendrado tártaro
que persiste,

precipita-me pelo cume do precipício que o horizonte esconde,
que os adamastores protegem,

mas antes,

deixa-me adormecer num sonho teu.

[,as orquídeas renasceram em flor, finalmente, fatalmente.]






notas:


à décima hora – 4 da tarde

Latona (na mitologia romana), ou Leto (na mitologia grega), era uma filha de Febe e Céos e mãe de Febo (Apolo) e de Diana (Àrtemis). Era a deusa do anoitecer.
Quando engravidou dos dois, cujo pai era Júpiter (Zeus), teve que fugir da ira da ciumenta deusa suprema Juno (Hera), que tinha pedido que Gaia não cedesse lugar na terra para que a deusa pudesse dar à luz seus filhos. Seus filhos nasceram na ilha Delos após fugir da serpente Píton, que Febo mataria mais tarde. Latona era a deusa da noite clara.
matinas – madrugada período entre a meia-noite e o nascer do sol

Textos de Francisco Duarte


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

,escrevo contra o que me lembro



,vã,

(I)

visão de alguns anjos coxos que gravitam
em elípticas,
escondem pés, pernas, coxas,

bando de morcegos albinos rodeando figueiras
adormecidas, sem fruto,
vãs,

e no alumbrar ao longe regressam algumas cores,
sejam alucinações psicadélicas,
sejam alucinações, sós, sóis

,insepultos.

,escrevo contra o que me lembro
senti-lo-ei sempre hoje, senti-lo-ia como ontem,

podê-lo-ei sempre sentir amanhã,
qual grito, quão perto do silêncio absoluto,

vão.

,empederniram-se estas veias,
mais cedo lavas, sim, apenas respiro,

sem ânsia, a morfina toma conta do corpo,

e o mar tão perto que lhe toco ao de leve,
despenteio-o.

[contra o que me lembro, escrevo fragmentos].

(II)

, “- mira, já ali as tâmaras, a água, as náiades, mira gajeiro, já aqui!”




Textos de Francisco Duarte

,disfarçam-se alguns outros



(I)

,é na orla que se escondem os corpos,
simples,

e as fuligens que restam, tão longe,
amontoam-se em pântanos,
apavoram-nos

esses interiores escuros, fingidos, frágeis,
finge-se.

,disfarçam-se alguns outros.

(II)

,tem vezes que anseio noite,
como fuga, arrojo exausto
símil à travessia gasta, desgastante o dia,

e quando as palavras, se destecem ponto por ponto,

perdidas como o vinho vomitado, inquieto-me.

, inquieta-me o odor do jasmim que se liberta
além

,além do mar.

,despontam pétalas que se espalham, invadem
as tardes de outono acastanhadas,

aquém-terra,

e já ali, mergulho, por este mar acima,
sem destino, sem pressa,
simples,

singro-me,

ou esqueço-me.

(III)

[a quem importa, se nem a mim?]





Textos de Francisco Duarte

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

,as garrafas de gim vazias



seja-me procura a ida, a vinda,

quando olho pela janela gradeada, medrosa,
como se tudo fosse perigo,

assalta-me a nostalgia da liberdade,
tudo novidade lá fora, já aqui,

, e as mãos tateiam horizontes,
ocasos, hecatombes que se perfilam,

porque não?,

repete-se beirute, gaza, dar es salaam,

repete-se o outro que se liberta deixando o
cordão umbilical estático, constante,
repetindo-me, distorcendo-me.

(I)

os lírios voam sem destino,
nunca serão aves migrantes,

, resistem ainda ecos, destroços,

enquanto os corpos se reconstroem,
e habita-me o cansaço,
o som do piano num bar de terceira, algures ,
as garrafas de gim vazias,
[sempre vazias...]

fitam-me olhares vazios,
e palavras,

e mais palavras que não entendo.

(II)

,sejam-me procuras, porra,

,sejam-me só idas,
sem porras de regressos, sem fragmentos.




Textos de Francisco Duarte

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

,que me interessa se é noite ou dia



,que me interessa se é noite
ou dia,

se Tatum quase cego tocava melhor que
Walter Gieseking,

de que me interessam as fotos pregadas
num quadro de corticite, Vladimir Ilitch lendo
o Pravda, um mapa mundo retangular
a cores,

se Maiakóvski está a preto e branco,

de que me interessam o Che, os camaradas
da tropa segurando a G3 no meio do mato
em angola, e os sorrisos parvos do medo,

de que me interessa a morte,
se o conhaque já está no fim,
e o cinzeiro carrega pontas de cigarros,
alguns ainda sobrevivem, fumegam,

que me interessa se é desirré, zirrê, criptonita,
ou a puta que o pariu,

enquanto o fumo invade o espaço
dos livros por todos os lados,
empilhados como a torre de Pizza
prestes a caírem,

de que me interessa se é preste joão,
ou prêtre, ou padre João da Etiópia, descendente de
Baltasar, ou dos cavalos apocalípticos,

se a foto do cendrado mar me adentra
pela visão, turvada, curvada,

de que me interessam o bafio do amar,
do beijo, das putas sentadas de pernas
abertas exalando perfumes baratos,
procurando uma noite paga,

se as promessas se repetem, e repetem,
sem cor, viciadas como as cartas
em cima de um pano verde doentio,

de que me interessam o verso, o poeta,
o escarro que piso na calçada,
ou o sangue que escorre do inocente,
ou do bandido com o ferro na mão,

se deixaram de respirar, de ouvir, de ver,

,que me interessa se é noite
ou dia,

se por hoje, quero, silenciar-me!!?

[,de que me interessam as exclamações a interrogação se resistem].

[,de que me interessa reler o que escrevi, corrigir, na verdade vos digo, nada].






Textos de Francisco Duarte