quarta-feira, 24 de abril de 2013

,haverá sempre mais uma maré


,nunca saberei da cor dos barcos,
ou

das varandas, onde se pintam
as orquídeas,

,das despedidas, que em abril me desabrigam,
sem tempestades breves,
são como viagens em constantes regressos,
um dia,

,mas rasgam a pele,
num outro dia qualquer,

interrompem-me, interrogam-me.
,afundam-se um pouco mais.

(I)

,haverá sempre mais uma maré, direi.

(II)

,nunca saberei dos demónios escondidos,
quais cila e caribdis,

que reclamam espaço, fronteira,
distâncias do viajante, apenas quis,

ser.

,e soltam-se as amarras, como se o impossível
outro vogasse assim, sem escala, portos de abrigo
vísiveis a olho nu,

fica o horizonte que antevejo,
quão perto de tão longe,

apenas me sossego,
apenas por um momento, a voz invade o silêncio
dos demónios que restam.

(III)

[as orquídeas em branco ofuscam o verde das varandas desertas,
os barcos?
,continuam ancorados, ondeantes.],

,a água das chuvas, escorre pelas ruas.










Segundo a mitologia grega Cila era habitualmente relacionada a Caríbdis. Os dois, monstros marinhos, moravam nos lados opostos do estreito de Messina e personificavam os perigos da navegação perto de rochas e redemoinhos.

25 de Abril, sempre!

Textos de Francisco Duarte

quarta-feira, 3 de abril de 2013

,noites, porque não dias inacabados?




,lava-me as mãos
como a um judas,
ou satanás que seja,

mas deixa os meus lábios secos, gretados,
como a terra que hoje calco,

fala-me da voz em gritos, da praia que se perde
pela foz,
a sul,

neste nordeste de hoje, à míngua, à fome,

reduz-me, sem inspiração, ou tino,

ou verve,

à vista um farol que não existe, que definha,
e que se esconde pelo mar,
cousas assim,

negações, tantas tormentas, alguns sonhos
encrespados,
suores,
noites, porque não dias inacabados?

,e relembro-me das cinzas, dos incensos,

das vertigens em pétalas vermelhas,
sangue,
das palavras que fogem, morrem
ainda no ventre,
afogadas, pisadas por outras maiores,
e fui por aí, ultrapassando horizontes como um cometa louco,
símile a um cavalo

com o freio nos dentes, rangendo,

repara nos nadas que cercam as margens,
tanta a inundação, as vísceras
inchadas,
os visos enrugados sem unções, sem viços,

que os vícios não resistam, nem se acobardem,
promete-me,
a oliveira, a mirta, o alecrim,

o verbo,

mas rasga-me os fragmentos
desta rododáctila saciada
de regressos sem trevas,

sem as porras das sombras enfileiradas,

reconstruo o outro que não me larga.

(I)

E canso-me do páramo, do firmamento,
do ocaso,

destes círculos cortados pela metade,
das viagens que se prometem sem finais,
tantas as miçangas guardadas
tantas as cores que me acorrentam,

que depois fogem sem deixar traço,
perenes as peregrinações,

não há viagens sem final,
nem provectos começos,

perguntar-te-ei por um mar de sargaços,
por um adamastor escondido, em fuga
dirás,

ou pelos crepúsculos que me ardem
a memória,
quão perto dos pássaros que regressam,

senti-los-ei sem carícias,
enquanto a sica me penetra no silêncio.

Digo-te, lava-me apenas as mãos,

e deixa-me sonhar com as sílfides
que me empurram,

assim,

tão perto de tão longe.

[nós mesmos].






Textos de Francisco Duarte

segunda-feira, 1 de abril de 2013

,do silêncio da tua voz que abafa


(I)

,do silêncio
da tua voz que abafa o urrar do vulcão em lava,
daqui a pouco, sim,

renova o odor das cerejeiras em flor efémera,
antes que vésper se aviste.

,sacrifícios
esperados, sem visos aterrorizados
por redemoinhos fantásticos, imaginação seja,

afugentam-se assim pesadelos, destroem-se,
símiles às pegadas que o mar desfez pelos areais, sós,

,relembra-me das horas pelo final da tarde,
da vertente que dá a direção da água,

da rota,

alivia-me desta garganta seca
que me cala, quão longe de mim, agora, estou.

(II)

,serei talvez um outro,
por breves instantes, cousas sem fim,

vazias,

enquanto as margens me comprimem,

[...e repetindo-me],

,do silêncio da tua voz que abafa,

[este silêncio em mim].









Vésper – planeta Vénus, no período em que ele é visto pelo final da tarde (em sentido figurado indica o Ocidente)
Castro Alves (poeta brasileiro) referia-se assim a Vésper:
Pomba d'esp'rança sobre um mar d'escolhos!
Lírio do vale oriental, brilhante!
Estrela vésper do pastor errante!”
(in Cântico dos Cânticos”)


Textos de Francisco Duarte