quinta-feira, 22 de agosto de 2013

e tem vezes que não sei do mar

Leila Vasconcelos
...
por onde caminham os teus passos,
após um breve orgasmo tombado em silêncio absoluto?

Anárquicas as pegadas deixadas nos reflexos avivados do luar escondido por cirros cinzentos, amálgamas dispersas,

sem nexo,
temperadas pelo extenso e pálido olhar,

ou pelo odor intenso da maresia encabrestada
nos coros repetidos dos cascos de algum puro sangue árabe, louco,

e tem vezes que não sei do mar, de mim,
nem das alfazemas que brotam pelas margens escuras,
neste esquecimento forçado dos nomes que desfiguram as coisas.

Recorda-me dos pássaros que morreram a voar,
porventura em agonia,
enquanto te beijava repetidamente o corpo indefeso
escondendo as visões e as vozes que pululavam sem parar,
dos navegares outrora desconhecidos,
e,
evaporavas-te pelo fumo do primeiro cigarro,
borda fora, mar afora,
entre o espesso nevoeiro perto das escarpas que se escondiam pelas passagens do vento soprado por adamastores ubíquos.

Por onde te caminhas se os luzeiros se apagaram de vez?
O barco crepita ancorado,
abatido pelo relâmpago que se atrasou.

Atrasei-me.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

poder-me-ei alhear das palavras por um dia

Laguardia Asensio Luis

...
poder-me-ei alhear das palavras por um dia,
do mar que não existe de tanto areal
que as dunas escondem,

restarão medusas, conchas, corais desalinhados,
ou aves que migram pelo verão, procurando novos pousos.

Abrir-se-ão janelas pelo sopro do cavalo do vento,
retendo caçadores de baleias agonizando pelo vazio
de redemoinhos,
e os rios, furiosos, engolirão carvalhos arrancados pela raiz,
como um bocejo,
nesse mesmo dia.

Falam-me dos lobos do mar, dos nenúfares que ficaram para trás,
dos silêncios que os ecos repetem sem parar, desses órfãos de ninguém
que acompanham as viagens intermináveis dos sonhos,
desse outro escondido entre as escarpas violentas das noites,
das procelas maiores que furacões,
nomes desfigurados.

Um dia poder-me-ia esvaziar de mim,
dos poemas rasgadas sem mar, sem barcos
no horizonte, sem estrelas anunciadores de terra firme,

das margens opressoras,
e, mesmo que tudo não passasse de imagens vãs, sem nexo,
nomes esquecidos, faces irreconhecíveis,
convulsões,

dir-te-ia das esperas pelo nascer da alvorada,

apenas te esperando.

Que apenas assim seja.



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

por mor que a distância seja

Kimberley Media Australia

É pela alba que as flores de jasmim sossegam,
mesmo quando revisito as pegadas deixadas pelo ocaso,

as chuvas de agosto que persistem no horizonte em chamas,

afugentam fotografias presas nas madeiras apodrecidas
pelo salso reino,
das fossas, antes profundas de tão veladas,
expõem-se algumas escuridões sem retrocessos suplicados,

desfraldam-se então as velas,
ao destino, como um fado repetido, gasto,

por mor que a distância seja.

Direi das travessias, das viagens,
do sextante sem arco do limbo, tocar-me-ás algures,
eu sentirei quão perto, de tão longínqua

a chegada.

Terei sempre regressos por cumprir, sem
jamais me arrepender,
de ter bebido até à exaustão do esquecimento.

Em vão.




domingo, 4 de agosto de 2013

e divago-me por ti

Ljubinka Lepojevic

Sossegam-se os dias pelas noites que se encerram nas imensidões de alguns cometas de tão longe. olha aquele e aqueloutro se esticares o indicador tens de te apressar antes que ele se apague se esconda por entre as cintilantes luminosas

algumas ondulações tocam como mãos a quilha de cedro já gasto ora arribando por ora em vertiginosa descida nas direcções de um vale de tanto mar e grita-se geme o barco antes do embate violento desordenado sejam feitas as breves vontades

e se um dia o sol se recusar aparecer não o saberei imaginar.

Solto-me do azul tão gasto pelo arco-íris,

não que a chuva o transporte até mim,
os ventos,
talvez o levem, além horizonte,

e, divago-me em ti pela noite,
que nada acrescentará à minha rota,

e, mesmo que a terra páre de girar por alguns instantes,

saberei sempre,

que os pássaros escolherão o mar, para descansar.

Resisto-me aos sossegos, às ondulações,
às recusas, aos gritos.
Resiste-se o luar em agosto.




Nota:
divagar - Vaguear; caminhar ao acaso; andar errante.