sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Mesmo que me sossegue querer-me-ia Silêncio


Dos mares resvalam velas sem destino
Aprisionadas aos mastros apodrecidos pelo sal em volta
Como passos errantes enquanto espantalhos ao longe
Esfregam mãos fechadas sem calor. Miragens.
Assim se constroem viagens constantes
Invejando o rápido relâmpago derramando abismos
Sem margens ou limites como as palavras que se apagam
Febrilmente. Sementes germinam pelo areal sem nexo
Desordenadas
Desinteressantes espaços cantos.
Dizes-me das vontades roucas rasgadas pela crista das ondas
Num lugar algures onde se escondem as nuvens repentinas

Fio invisível que me roubou o tempo de ti. Lampeja o ar
Severo mas mais sensível que o toque recém-criado
Envolvendo-nos como veneno desejado
Ouço-te e resplandeces recriando repousos sem
Certezas ignoradas. Mesmo que me sossegue
Querer-me-ia Silêncio
Pela noite que o inverno teceu.

Passo por esta Terra que não é minha

Desabrigando-me do tempo
Sentindo-te perto pelo respirar

Inundando-me


Sem destino.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sem lenços brancos dançando ao vento


Não te vou escrever sobre o calor,
Ou,
Sobre a seca que greta a terra como a pele
Das gentes,
Ou,
Sobre as misérias que avisto,
Da minha janela gradeada,
Onde o mar nasce pelas manhãs,
E se esconde quando o vento abana cajueiros.

Não sei de muito mais,
Nem dos verdes campos onde corríamos em crianças,
Ouvindo o longo canto do sabiá, pela primavera,
Dizia-se.

Relembro as partidas, as curtas despedidas,
Sem lenços brancos dançando ao vento,
Ou lágrimas dançando na escuridão,
Soltam-se as saudades de um dia,
Repreendendo a nostalgia das imagens ou dos cheiros
Que se escondem pela memória,
Regressando pelo crepúsculo sem fim.

Falar-me-ás do destino, insano destino que tudo cobre,
Como o pó acumulado nos móveis apodrecidos,
E das preces repetidas em procissões intermináveis,
Acreditando que tudo estava descrito, algures.

Calar-me-ei, contando as injustiças dos homens,
A pobreza forçada do ter e jamais do partilhar,
E,
Enquanto viro as costas aos nevoeiros
Que tapam a canícula abrasadora,
Sonho horizontes longínquos que um dia

Levaram-me para longe de ti.



terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pelos cantos do mar como um naufrago



Liberta-me destas asas que me atrapalham,
Nunca aprenderam a voar mais além,
Nem refúgio, nem descoberta, deixa-me sossegar
Por este mar tão perto de mim
Que me desenovela, reduz a nada o todo,
A morte escondida, espreitando.

Sem começo, para quê?

Se estas visões inacabadas da aurora boreal,
Reflexas, algumas singradas sem sentir,
Inconscientes, efêmeras,
Atraiçoando a inóspita terra que não me habita,
Onde não me habituo,

E,
Enquanto procuro palavras para descrevê-las,
Renova-se o cheiro das alfazemas,
Brotam flores da amendoeira adormecida.

Refugio-me
Pelos cantos do mar como um naufrago,
Que esta loucura me seja presente, jamais fuga, ou vida.

Sim, revi a rota mais outra vez,

Além, mais além neste aquém de mim que ainda me resiste,
E que se repete moribundo.



(in Coletânea do Ideal Clube de Fortaleza, V Prêmio Nacional Ideal Clube de Literatura e XVI Prêmio Estadual Ideal Clube de Literatura)


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Dir-me-às então do poema que um dia ficou para trás


Desliza a glória matinal despida de assombrações desta noite sem luar coberta pelo negro viúvo Deslumbro-me vendo-te aparecer pelo azul que teima em recortar alguns rochedos pontiagudos ou o horizonte pleno do olhar apenas sorrindo.

Sonho que se afugenta indelével
Liso espelho sem refletir contrários tão presentes
Piedade apenas pela gratidão de um mergulho infinito
No salso reino que habita o coração dos homens. Habita-me.

Quando tudo se silencia ouço-te. Resplandeces pela
Afonia do grito que estrebucha moribundo
Ou por palavras que apago enquanto a mente descansa
De um intenso respirar das ondas sobre a areia solta
Onde Náufragos rastejavam terminando viagens. Sobrevivo-me.

Valerá a pena esperar num cais coberto pelo mar em fúrias?

Dir-te-ei do manto de água que cobre a tua chegada
Dir-me-às então do poema que um dia ficou para trás
Preso ao espaço esperando pelo nascer das orquídeas tardias
Que avançam de frente para o mar

Sempre errante.

Cobre-me de ti